A linha editorial que ama a nona arte.

Em 2016, Gloria, Laura e Cristina querem formar uma banda punk chamada The Black Holes, cujas letras misturam temas inusitados como física quântica, cultura pop e temas da literatura clássica. As garotas têm tudo o que é preciso: atitude, presença, instinto, humor, informação, amizade… e uma formação musical capaz de quebrar tudo. Assim que os ensaios e toda a barulheira começam, elas são surpreendidas por acontecimentos estranhos, conectados a situações e objetos de 160 anos atrás que passam a se infiltrar no mundo delas.

Paralelamente, no ano de 1856, a jovem aristocrata Teresa, em vez de participar de eventos sociais e almejar um bom casamento, está mais interessada em seres e criaturas de outros planetas. Ela escreve poemas macabros e histórias de horror que não fazem sentido algum para as pessoas de seu convívio. Sentindo-se deslocada naquele mundo tradicional e conservador, ela precisa lidar com a curiosidade da irmã caçula, as intrigas das duas irmãs mais velhas e a incompreensão da mãe.

Na impressionante graphic novel Histórias Fantasmas, do quadrinista espanhol Borja González, essas duas histórias paralelas se espelham e se entrelaçam em um conto de sonhos e desejos juvenis, com um olhar atencioso a essas jovens mulheres que tentam encontrar seu lugar no mundo. Esta obra mergulha nas questões perenes e complexas, por vezes difíceis de articular em palavras, que as adolescentes enfrentam, tanto ontem quanto hoje.

O estilo único do autor destaca-se pelo equilíbrio perfeito entre quadros detalhados e personagens fantasmagóricos sem rosto que se expressam através de gestos, silêncios e diálogos ágeis e mordazes. Não por acaso, em 2023 González foi vencedor do Prêmio Nacional del Cómic, na Espanha, pela obra Grito Nocturno, que compartilha essas mesmas características. Seu estilo também pode ser conferido em um projeto virtual de quadrinhos curtos, spiderland/snake, que o autor mantém em parceria com Mayte Alvarado, quadrinista conterrânea sua, autora de La Isla. Além disso, Histórias Fantasmas está repleta de referências a músicas, videogames, filmes e livros, e é um prato cheio a quem gosta de Edgar Allan Poe, as irmãs Brontë, Stephen Hawking, Carl Sagan, The Cramps e obras como Drácula, de Bram Stocker e Invasores de Corpos, de Jack Finney.

Cada página é um deslumbre à parte, seja nas cenas contemporâneas, seja no exuberante no colorido crepuscular das cenas do século XIX, em uma narrativa espelhada, na qual cenários, linguagens, personagens e cores contam uma história elegante e melancólica. Histórias Fantasmas é um daqueles quadrinhos que deve ser lido várias vezes, uma obra repleta de camadas. Aqui o papel branco não é apenas o suporte, ele é o lençol que esconde e revela as múltiplas vidas e histórias que cabem dentro de cada um de nós.